Crianças e adolescentes isolam, insultam, agridem colegas e expõem uma realidade alarmante: pais e colégios não sabem como lidar com agressões que começam cada vez mais cedo.
O termo é estranho, mas o significado é bem conhecido. A palavra bullying se refere às agressões e humilhações praticadas por um grupo de estudantes contra um colega, algo até comum no dia-a-dia escolar, mas que está longe de ser considerado normal. São xingamentos, ofensas, constrangimentos ou agressões físicas que geram angústia, sofrimento e podem causar danos psicológicos imensuráveis nas vítimas. Essas agressões, que costumavam aparecer na adolescência, estão sendo detectadas entre crianças, cada vez mais cedo. Tanto nas escolas públicas quanto nas particulares, onde os altos muros que as separam do mundo externo, em vez de protegê-las dos perigos “de fora”, muitas vezes alimentam atos ainda mais violentos cometidos do lado “de dentro”, uma vez que os pais não costumam levar as ocorrências às delegacias.
Qual o perfil da vítima e do agressor? A psicopedagoga Maria Irene Maluf adverte para os padrões de comportamento. “Normalmente, a vítima tem um quadro de baixa auto-estima. O “cabeça” do grupo de agressores é o mais inteligente e nem sempre é o que bate. Os que agridem são meninos que têm necessidade de aceitação no grupo e temem ser a próxima vítima. Dificilmente teriam coragem de agredir sem a orientação do líder”, afirma. As meninas tendem a praticar o terror psicológico e a manipulação contra as colegas. Os meninos tendem a se autoafirmar pela força física e partem para a agressão contra os demais. Reféns do jogo de poder, raramente as vítimas contam aos pais o que está ocorrendo para evitar uma possível retaliação dos agressores, por temer ameaças à própria família ou para não serem vistos como o filho frágil em casa. Foi por medo de decepcionar os pais e sofrer agressões ainda mais violentas pelos colegas que um garoto de dez anos silenciou mesmo sendo vítima constante de bullying no colégio Rio Branco, um dos mais tradicionais de São Paulo. As agressões ocorriam dentro e fora da sala de aula. Começaram de forma sutil, com golpes com régua e flauta e o chamado “pedala”, que é o tapa na orelha.
Como as agressões não foram devidamente contidas e reprimidas pelos professores, inspetores e pela orientadora, elas se tornaram mais violentas, chegando aos pontapés. Intimidada pelo grupo, a vítima perdeu a capacidade de reagir. Ao tomar conhecimento do fato, a direção chamou as crianças agressoras, que confirmaram a prática de bullying sem que houvesse qualquer razão. Em seguida, seus pais foram convocados. Alguns caíram em prantos e outros se revoltaram ao saber que a escola não estava coibindo adequadamente desvios de conduta dos seus próprios filhos. Em relação à vítima, o que se colocou foi um pedido de desculpas, a promessa de um trabalho para fortalecê-la e a sugestão – e não oferta – de apoio psicológico. “Não cogitamos a expulsão dos agressores mesmo que o fato se repita. São crianças muito novas. Acreditamos que medidas educativas podem resolver a situação”, afirma Esther Carvalho, diretora-geral do Colégio Rio Branco, que não soube dizer por que a diretoria da escola não tomou conhecimento das agressões quando elas aconteceram.
Mesmo que a prática seja coibida nas escolas, os danos podem ser irreversíveis à criança. “O trauma permanece e gera uma baixa auto-estima no menor, que leva cerca de três anos para se recuperar. Algumas nem se recuperam”, alerta Maria Irene. Entre as conseqüências do pós-bullying, estão danos à capacidade de aprendizado, que pode se tornar superficial, dificuldades de concentração nas tarefas escolares – a criança pode ficar preocupada com a abordagem de agressores a qualquer momento – e um permanente complexo de perseguição, que pode se expandir para todas as áreas da sua vida. A omissão das escolas na solução dos problemas torna os casos cada vez mais graves. E, quando eles explodem, são erupções vulcânicas que causam um efeito perturbador em toda a instituição. Abalam as famílias das vítimas e também dos agressores.